segunda-feira, 23 de março de 2009

O sentimento oceânico


fotografia d`AQUI




Assim, estamos perfeitamente dispostos a reconhecer que o sentimento "oceânico" existe em muitas pessoas e nos inclinamos a fazer a sua origem remontar a uma fase primitiva do sentimento do ego. Surge então uma nova questão: que direito tem esse sentimento de ser considerado como a fonte de necessidades religiosas? Esse direito não me parece obrigatório. Afinal de contas, um sentimento só poderá ser considerado como a fonte de energia se ele próprio for expressão de uma necessidade intensa. A derivação das necessidades religiosas, a partir do desamparo do bebé, e do anseio pelo pai que aquela necessidade desperta, parece-me incontrovertível, desde que, em particular, o sentimento não seja simplesmente prolongado a partir dos dias da infância, mas permanentemente sustentado pelo medo do poder superior do Destino. Não consigo pensar em nenhuma necessidade da infância tão intensa quanto a protecção de um pai. Dessa maneira, o papel desempenhado pelo sentimento oceânico, que poderia buscar algo como a restauração do narcisismo ilimitado, é deslocada de um lugar em primeiro plano. A origem da atitude religiosa pode ser remontada, em linhas muito claras, ao sentimento de desamparo infantil. Pode haver algo mais por detrás disso, mas presentemente, ainda está envolto em obscuridade. Posso imaginar que o sentimento oceânico se tenha vinculado à religião posteriormente. A "unidade com o universo" que constitui o seu conteúdo ideacional, soa como uma primeira tentativa de consolação religiosa, como se configurasse uma outra maneira de rejeitar o perigo que o ego reconhece a ameaçá-lo a partir do mundo externo. (...)




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Sigmund Freud, "O Mal-Estar da Civilização"


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7 comentários:

  1. ou o estar mal com a dita. a civilização. a que tb nos distrai tantas vezes do Mar e das Marés________tantas quantas as pétalas de uma flor. ou páginas de um livro. que conhecemos/lemos mal.
    assim como às vezes os parágrafos da vida. civilizada. dita.
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    sentimentos aquáticos.
    impressões.

    que dedilhamos ao sabor da alma.


    bom dia querida IV.

    ______________

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  2. Já reconheceste o caçador, por detrás da sua máscara?

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  3. absolutamente de acordo com esta transmutação da figura do pai para a construção abstracta de um outro "PAI"

    a necessidade oceânica de protecção

    a procura de um OUTRO .a identificação do UNO


    .
    um beijo

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  4. Querida amiga, confesso a minha inexistente disposição para Freud, mas, ainda assim, e porque somos uma turba e ao mesmo tempo ninguém, uma turba que desde a Origem se multiplicou em mil tendências incoerentes, deixa-me referir Pascoaes, que dizia ser tudo falso e simultaneamente verdadeiro considerando que a mentira se desdobra em verdade. “Haverá cara que não se reflicta num espelho? Todos os seres têm uma aparência real, irmã das pedras e outra ilusória, irmã dos reflexos da água. E é nessa aparência ilusória que a vida se concentra e refulge, por milagre; A realidade é ilusão cristalizada, o tempo feito espaço”.

    Refere-se a I, aos sentimentos aquáticos que logo considera como “impressões que dedilhamos ao sabor da alma”. Nada mais certo, nada mais correcto, mas também, sendo nós mil tendências incoerentes e consequentemente forças contraditórias em vários sentidos ignotos, somos alguém que vive e existe sugerindo a realidade do sujeito e não só uma identidade trans-subjectiva.

    Beijo, IV. Com ramos de agradecimento.

    PS: E se te apeteceu Vicente Nuñez, fizeste muito bem, o tempo já nos concedeu o estatuto de poder querer. Mai nada.

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  5. Ainda bem que nem tudo

    é racional

    Quanto a contradições

    o desafio

    intangível

    é tentar resolvê-las

    Quanto ao azul das águas

    é respirà-lo

    apenas

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  6. Horizonte

    O mar anterior a nós, teus medos
    Tinham coral e praias e arvoredos.
    Desvendadas a noite e a cerração,
    As tormentas passadas e o mistério,
    Abria em flor o Longe, e o Sul sidério
    'Splendia sobre sobre as naus da iniciação.

    Linha severa da longínqua costa ---
    Quando a nau se aproxima ergue-se a encosta
    Em árvores onde o Longe nada tinha;
    Mais perto, abre-se a terra em sons e cores:
    E, no desembarcar, há aves, flores,
    Onde era só, de longe a abstracta linha.

    O sonho é ver as formas invisíveis
    Da distância imprecisa, e, com sensíveis
    Movimentos da esp'rança e da vontade,
    Buscar na linha fria do horizonte
    A árvore, a praia, a flor, a ave, a fonte ---
    Os beijos merecidos da Verdade.

    Fernando Pessoa

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  7. aguçou.me ,terrivelmente ,o apetite o excerto que publicaste de Vicente Nuñez ... buscá.lo.ei por aí ,com brevidade

    [obrigada ,Isabel]



    .
    um beijo

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