terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Fera, ferida !


Fotografia ContorNUS


Tinha pensado escrever, hoje aqui, sobre o tapete vermelho das estrelas. Sobre a glamorosa noite dos Oscares e o fantástico livro de Cormac McCarthy " Este país não é para velhos ", ontem brilhantemente oscarizado, na versão fílmica com o mesmo nome.

Desisti desta prazerosa deriva, porque ao chegar a casa, no final do dia, ouvi duas notícias que me retiraram o tapete. Senti-me desapoiada, ferida; fera enjaulada na armadilha do politicamente correcto, que nos entorpeça o descernimento. A primeira notícia, muito má, é o relatório da Comissão Europeia que aponta Portugal como um dos oito países da União Europeia onde se registam os níveis mais elevados de pobreza nas crianças. Outra foi a agressão a Rui Santos, jornalista da SIC, por três homens encapuçados, à porta da referida estação televisiva.

Quanto à pobreza infantil, ela é visível, há muito gritante, para quem trabalha diariamente, no terreno, em contextos socialmente problemáticos (imigrantes, desempregados, famílias desestruturadas, toxicodependentes, outros dependentes ... e etc.)

O relatório só vem acordar os eternamente adormecidos e esses dificilmente acordarão. É como a gripe das aves ...
passa o tempo de vida da notícia e morre o assunto.

Daqui se conclui que " este país não é para velhos " nem para crianças ! É um filme dramático ... de qualidade muito duvidosa.

Quanto ao Rui Santos, jornalista desportivo, dedicado ao futebol, não o conheço pessoalmente, nem a temática que versa me prende ao ecran, mas habituei-me a disfrutar da sua companhia televisiva e a reconhecer-lhe frontalidade. O exotismo da sua figura, exuberãncia das gravatas :)) e o tom assertivo com que fala de matéria futebolística, são para mim, uma marca.
Não discuto o tema, nem o personagem, mas não posso ficar indiferente á violência da cena.
O que lhe fizeram atinge-nos ...
O Rui Santos fala de futebol, mas poderia falar de qualquer outra coisa. Conquistou visibilidade e usa esse poder para exercer o seu direito de opinião, posiciona-se e por isso foi maltratado à saída do seu local trabalho.


Isto é indecente.
Isto doi.
Isto é um mau exemplo.
Isto é uma tremenda menoridade.
Isto é uma afronta à nossa liberdade.

Há dias, a escritora Lídia Jorge, numa entrevista, na RTP2, sobre o Neo-Realismo e a abertura, em Vila Franca, de um novo MUSEU dedicado a este movimento, dizia que se vive hoje nos antípodas dessa época: actualmente, tudo o que comporta uma mensagem política, veicula uma opinião, um posicionamento explícito, é banido, mal visto, desvalorizado artisticamente.

Vivemos tolhidos pelo medo de nos assumirmos como seres políticos de plenos direitos.
A pobreza material e educacional em que está mergulhado este país fragiliza as pessoas, inibe o livre pensamento, limita a expressão. Os aparelhos partidários (os feudos e as corporações) têm-se empenhado em desvirtuar, desgastar, desclassificar o termo política. Transformaram política em politiquice - a arte palaciana da intriga. Esta ideia de política, esta "arte do engano", corrompe a Polis. Retira nobreza á política. Desencoraja os cidadãos de participar, de discutir, de criar, de decidir.

Por tudo isto, sinto-me hoje fera.ferida de morte !
Nunca pensei ter que clamar pelo direito à política ...



Viva a Politéia ! Realisticamente ou eufemisticamente considerada.

9 comentários:

  1. Subscrevo em absoluto .
    também existe pobreza na política sabes? A de espírito.

    Um beijo


    (o Museus está fechado e o pássaros não está longe de acontecer o mesmo . para além da falta de tempo tenho ainda que me debater com a falta de espaço. A conta usada paa os 3 blogues é a mesma e já tenho uma utilização muito elevada devido à utilização de muitas imagens. Sei que vou ter que pagar por mais espaço só ainda não sei como, até lá estou a poupar-me paa o pequenos nadas, onde passo mais tempo)

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  2. Concordo com a Gi e subscrevo o que dizes...hoje em dia n�o podemos ser diferentes, n�o podemos ter uma opini�o ou manigest�-la, nem sequer podemos ser nos proprios...quase parece que vivemos em regime salazarista...Pergunto-me qual sera o dia em que isto poder� acontecer a qualquer um de n�s?! O direito � liberdade de express�o h� muito que deveria ter sido conquistado.Questiono-me v�rias vezes se realmente foi...
    Um abra�o ferido mas amigo!

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  3. Gi e Ana Paredes, obrigada e um abraço enorme e fraterno

    iv*

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  4. E é assim… sem versões românticas de um problema que é tacanho, porque os cobardes atacam e os mentirosos justificam.
    Somos hoje invadidos sem pré-aviso e remetidos para doença grave que, totalmente mina o País e a sociedade.

    São estes tempos que devemos denunciar e combater com forte inconformismo.

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  5. Como eu te compreendo...

    a política está cheia de pedantes estupidificados, incapazes de ouvir, de olhar para o mundo que os rodeia...

    Quase que inventam países (como é o caso do nosso primeiro-ministro) e cidades (e tantos presidentes de câmaras), tão distantes da realidade...

    abraço Isabel

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  6. Compreendo a sua indignação, Isabel. E pelo visto, não é também para crianças. Quem sabe o McCArthy não escreve uma continuação?
    E o espancamento deste jornalista, hein? Parece coisa do (NA)tionalso(ZI)alist. Bem, como dizem que a História faz download dela mesma.
    Beijos!

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  7. Vivo em Lisboa, a capital do país , onde mora o poder diplomático , o político , o jurídico e outros tantos , no entanto, isso não me confere dignidade humana nenhuma, todos os dias me cruzo sem-ambrigos , pobres envergonhados, »pobres de pedir» , gente anónima que discute a sua vida numa mesa de restaurante, a sua vida material, a vida mais pequena que poderia dar a grande, à semelhança do desejo de cada um.

    Um sem abrigo que reconheço , não digo conheço, mora na paragem do autocarro , quando deambula pela cidade , nesse lugar e nesse intervalo vêm por cal no seu estar de noite ou de dia no seu pouso perdido. Ninguém o olha até é melhor nem saberem onde está, esse e outros para não os espancarem e deitarem fogo, como me disse uma insistente social, a expressão não é minha.
    É o meu rosto que está ferido porque os meus olhos se desviam levo pressa, não quero empobrecer no bolso, tenho horas marcadas, mas logo que se chega um pouco mais adiante dão-nos a sopa do marquetingue, não nos podemos libertar barram-nos a passagem com os braços abertos numa mão um papel de receita , noutra o pacote são os sinaleiros pós- modernos....
    Se olhar ou quando olho o outro e não lhe encontro dignidade eu também não a tenho, vivo adormecido....
    Custa dar a esmola ainda medieval , como todos sabem, humilha quem dá e quem recebe, solidariedade
    ainda é difícil de dizer, houve quem se encarregou disso num dado momento do tempo, mas encontrou ainda salazar na língua. E encontra-se muito quando se houve falar.... uma imagem , ocorre-me agora , o tìtulo de um texto de leitura de minha filha , »Madeira, a pérola do Atlântico»....
    Eu chamo nada a este país, nada.... A escola bem podia ser a base de qualquer coisa , no entanto, não o é a própria ministra não o honra , nem se honra , não lhe dá dignidade, afirma entre outras coisas que tudo o que tem feito tem sido caricaturado, isto é a mais pura das insanidades... Com licença....
    JRM

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  8. Chocante, Isabel.
    Não sabia de tal acto de violência gratuita e que toca o total absurdo.

    Compreendo o que sentes e acho especialmente bem assinalado o contraste entre o tapete vermelho e o tapete negro tenebroso aonde a violência (em todas as suas formas) sempre nos conduz.

    Bjs

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