terça-feira, 28 de agosto de 2007

Acreditei em tempos que o mundo estava basicamente dividido entre dois tipos de pessoas: aqueles que eram de um modo geral tolerantes e os que se sentiam ameaçados pela diferença. Se as forças da tolerância conseguissem vencer as forças da intolerância, pensava eu, o mundo poderia finalmente conhecer alguma paz.Mas havia um problema com a minha teoria, e nunca tal fora tão claro como numa conversa com um amigo paquistanês que me disse que abominava pessoas como o Presidente Bush, que insistia em dividir o mundo entre “nós” e “eles”. O meu amigo, é claro, tomava uma posição inocente contra a intolerância e não percebeu que, ao fazê-lo, ele próprio estava também a dividir o mundo entre “nós” e “eles”, caindo exactamente no campo das pessoas que dizia abominar.Esta é a versão política de um famoso paradoxo formulado por Bertrand Russell em 1901, que na época abanou os alicerces lógicos das matemáticas. Qualquer pessoa que diz ser tolerante naturalmente se define a si própria em oposição àqueles que são intolerantes. Mas isso faz com que essa mesma pessoa seja intolerante em relação a certas pessoas – o que acaba por invalidar a afirmação de tolerância.A lição política do paradoxo de Russell é que não existe tolerância absoluta. No fim de contas, é necessário poder ser intolerante em relação a certos grupos ou ideologias sem renunciar à superioridade moral normalmente ligada à tolerância e à inclusão. Deve-se, na verdade, condenar e resistir a doutrinas políticas que advogam o assassínio de inocentes, que minam as normas básicas da civilização, ou que tentam tornar impossível o pluralismo. Não pode haver equivalência moral entre aqueles que procuram – mesmo por vezes desajeitadamente – construir um mundo mais livre e tolerante, e aqueles que defendem a aniquilação de outras religiões, culturas ou estados.Tudo isto vem a propósito do meu filho, Daniel Pearl. Graças à estreia do filme A Mighty Heart, o filme baseado no livro homónimo de Mariane Pearl, o legado de Danny está novamente a merecer atenção. É claro, nenhum filme poderia captar exactamente o que fazia de Danny uma pessoa especial – o seu sentido de humor, a sua integridade, o seu amor pela humanidade – ou por que razão ele era admirado por tantos. Para os jornalistas, Danny representa a coragem e a nobreza inerentes à sua profissão. (...)*

* Excerto do artigo " relativismo moral " escrito por Judea Pearl, matemático e professor universitário, pai de Daniel Pearl, o jornalista do Wall Street Journal, assassinado brutalmente pela al-Qaeda no Paquistão, em Janeiro de 2002 (tinha 38 anos). Este artigo foi publicado na edição impressa da revista The New Republic. O filme, que está em fase de lançamento nos Estados Unidos, estreará em Portugal em meados de Setembro próximo.

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Passo assiduamente nesta rua mas, desta vez, decidi ficar mais algum tempo. Decidi entrar na conversa que se faz urgente. Ainda com as orelhas quentes da entrevista de ontem, feita pelo jornalista Mário crespo - SIC notícias, a Gualter Baptista do GAIA e da VERDE EUFÉMIA, mas isso é outra história ! Um fenómeno de transgenia ontológia ...
Só quando alguém nos entra no quintal é que começamos a pensar ? Se calhar é assim, porque só quando entramos no quintal do outro é que somos notícia ...
e ... isto também é grave, mesmo muito grave !

A palavra perdeu poder ? Agora é ao pontapé ?

Gosto do diálogo, da discussão pública, gosto de acreditar que é a busca activa do conhecimento do outro que relativiza positivamente as diferenças, que nos espanta, que nos encanta, que nos humaniza, que amacia a vida, que promove a inclusão, que dilui os guetos.
Porém, hoje, confesso-me desiludida ...
Tornei-me intolerante para com a palavra tolerância.
Penso que temos que ter uma atitude mais pró-activa (como agora se usa dizer ...)
Temos que inventar outras palavras mais assertivas, mais comprometidas.
O termo tolerância está gasto ! Cito este artigo porque me revejo inteiramente na perspectiva do autor. Somos diariamente confrontados com o cinismo da condescendência, com o pseudo relativismo da indiferença, com a ambiguidade do termo " tolerância ".
Quem tolera quem ? Quem tolera o quê ? Porquê ?
A tolerância é, em si mesma, arrogante e paternalista. Resulta de uma assimetria de poder.
A dita "tolerância" lesa cinicamente a democracia, chega a ser ingrata, ao demitir-se de fazer valer regras e valores fundamentais, que outros nos legaram com o sacrifício extremo da própria vida.


Vou ver este filme ...

6 comentários:

  1. também
    a tolerãncia vende-se e compra-se...
    já não me visita?

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  2. Provavelmente será utopia um mundo de tolerantes apenas. Porque não pode haver tolerância para certos factos que as televisões nos metem diariamente dentro de casa.

    E penso que não se trata de manifestações de superioridade de alguém relativamente a outrem. A anarquia, ela própria, também não tolera tudo. Impõe regras. Intolerantes.

    Gostei do tema.
    Dá que pensar.

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  3. A (in)tolerância é um tema difícil porque toca os limites dos valores comuns. Concordamos que não se deve tolerar um certo número de coisas: matar, violar, roubar, etc. Mas essas são as nossas coisas intoleráveis. Haverá sempre quem consiga defender que se pode matar e roubar em nome de outro valor qualquer mais importante e que para nós não existe. O problema da Humanidade não é a intolerância em si mesma mas a definição de valores comuns, que nunca existiram nem, provavelmente, existirão. Mesmo o ocidente, que defende a vida humana como um valor supremo, tem-se visto perante as discussões difíceis do aborto e da eutanásia...

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  4. Tenho uma enorme dificuldade em entender isto, hoje.......

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  5. não percas tempo com este filme trans(gen)ético... o plot é mau, as personagens são fraquinhas, nada "redondas", como se diz na crítica literária...

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  6. Vou estar atenta, Isabel. Gostei de ler sobre o paradoxo de Russell aplicado à questão da tolerância. Esta talvez seja o calcanhar de Aquiles da democracia. Um caso muito complexo, na verdade...
    Este é um óptimo post, quanto a mim.
    Beijinhos!

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