sábado, 13 de março de 2010







____________________________________________________________________________



Depois de tirar a roupa, atirou-se ao rio e pôs termo à vida. Vítima de bullying, a única saída possível foi a morte. Chamava-se Leandro, frequentava o sexto ano de escolaridade e tinha doze anos. E onde estavam todos? Onde andavam enquanto esta criança foi reiteradamente humilhada pelos colegas? Ninguém deu a menor importância a nenhum dos sinais de aflição? Oiço a notícia em forma de náusea na Rádio e à noite com sentimento de horror vejo-a confirmada num qualquer canal de televisão, já com sons de funeral. Uma informação monstruosa: a do rapazinho que se atirou ao Tua porque sofria violência física e psicológica por parte dos companheiros da escola face à paralisante imobilidade dos que o rodeavam. Com o espírito cheio de escárnio e desprezo deviam actuar em grupo, rir-se às gargalhadas e achar um piadão, cérebros de pigmeu, carcereiros de nojo. A valeta e o que nela vive fascina-os. Mancham as mãos com o sangue dos outros. Há o rapagão, com brutalidade no riso, que espanca e o miúdo frágil que exposto ao perigo sofre as agressões em silêncio porque tem medo e vergonha. É assim, sentem-se grandes, fortes e estupidamente engraçados por sujeitarem os que estão sozinhos ou são menos combativos, a situações vexatórias e cruéis; ignóbeis petrificados na insensibilidade mais absoluta que se enaltecem por arrastarem pela lama a auto-estima de inocentes. Indivíduos brutos, rudes com o objectivo de intimidar ou crucificar outro indivíduo incapaz de se defender. Repugnantes ameaças de forma continuada ao longo do tempo, sentiu aquele miúdo que nem sequer completou a Primavera. Praxar, rebaixar, envergonhar, agredir porque a lei que prevalece é a do mais forte e a do que está mais escoltado. Era uma criança calma, carinhosa e sensível, perfume leve e, ao contrário do irmão gémeo, nunca se conseguiu defender, talvez pretendesse dos outros apenas mera humanidade. Não era o super-homem; não era sequer rapaz encorpado; um menino assustado, uma vida em colherinhas de medo, uma sinfonia de tristeza. Dias de angustia, agitada e espasmódica. Vida pornograficamente curta, cheia de momentos e dias trágicos, amargos, sinistros nos seus avisos. Para ele havia apenas uma estação, a do sofrimento. Já tinha estado internado no hospital, há um ano, depois de ter sido pontapeado na cabeça. Um entre vários episódios de violência de que terá sido vítima. Cansado da tortura de quase todos os dias, agora é simplesmente um número que se encontra numa comprida galeria de vítimas, um dos muitos números sem vida. Desconhece-se o paradeiro do seu corpo, apenas que o tormento para ele foi um longo instante. As buscas alargadas até à foz do Tua e interrompidas sem sinal do cadáver: 130 homens da Protecção Civil, PSP e GNR e ainda cães treinados procuram Leandro. Alguém lembra ao Ministério da Educação uma frase de Antoine de Saint-Exupéry: «Todas as grandes personagens começaram por ser crianças, mas poucas se recordam disso». Amália e Armindo, pais da criança, debaixo de uma grande emoção, entorpecidos pela dor mais profunda, almas feridas de desgosto choram em desespero a morte do filho. Não têm palavras para exprimir a aflição e a desgraça. Em choque, deixam apenas as lágrimas correr pela face. O horror de pensar que uma existência se esgota de uma maneira revoltante. Estremeço com um apavorante pensamento: - "Podia ser o meu filho”.







 





Escrito por Luís Galego, http://infinito-pessoal.blogspot.com/














__________________________________________________________________________________










... ,

..., ...

o silêncio do inocente

...






____________________________________________________________________________
---










Agradeço a Maria Manuela Cruz Gois a oferta da belíssima AGENDA "As Mulheres e a República", produzida pela UMAR  http://www.umarfeminismos.org   no ano em que a República comemora o seu 1º centenário.
Esta agenda põe as mulheres da Republica na ordem dos dias; efeminiza os dias da História ...




___________________________________________________________________________

_________________________________________________________________________________

segunda-feira, 8 de março de 2010

Hoje, especialmente hoje, quero frésias pela manhã ... e a poesia de Tolentino






Frésias são flores com cheiro a chá
e ela, aos trinta e sete anos, preferia-as
às flores que se vendem por aí
admitia a beleza mas não o esplendor
porque são tristes as repetições
num instante se tornam saberes
e ela, aos trinta e sete anos,
prezava apenas os segredos que mesmo ditos
permanecem como segredos

(em certas épocas, por alguma porta esquecida
escapava-se, sonâmbula, para o pátio
que dá acesso à mata
e, por vezes, iam buscá-la
gritando o seu nome ou com a ajuda dos cães
já muito longe de casa

tinha por hábito acender fogueiras
de que, depois, se esquecia
e por isso também os aldeões
a temiam)

nunca compreendeu a natureza da vida doméstica
intensa e aflita criança
incapaz de certezas

o que de mais belo soube
sempre o disse, de repente,
a alguém que não conhecia.





José Tolentino Mendonça, Baldios, Assírio e Alvim, p.21-22






















_____________________________________________________________

sexta-feira, 5 de março de 2010

Cuando se cumplen 200 años del nacimiento de Fryderyk Chopin, Justo Romero, autor de Chopin, raíces de futuro, nos ayuda a desmitificar el perfil excesivamente blando y melancólico de un innovador implacable.







A pesar de ser uno de los compositores más populares de la historia de la música, Chopin es, al mismo tiempo, uno de los músicos más erróneamente apreciados. Un artista aparte, sin el menor parecido con cualquiera de los músicos de su tiempo, como reconocía su amigo Héctor Berlioz. Detrás de su aspecto asequible que parece tocar directamente al corazón sensible del oyente, su música oculta una personalidad “honda y violenta como un cráter en el océano”, por utilizar la expresión de su paisano Ignacy Jan Paderewski. “A Chopin”, escribe su amante George Sand, “no lo conoció, ni lo conoce todavía, la gran masa. Será menester que se operen grandes progresos en el gusto de la inteligencia del arte para que sus obras se popularicen. Llegará un día en que todo el mundo sepa que aquel genio tan inmenso, tan completo, tan sabio como cualquiera de los grandes maestros que asimiló, encerraba una individualidad más exquisita incluso que la de Johann Sebastian Bach, más poderosa todavía que la de Beethoven, más dramática incluso que la de Weber. Es como los tres juntos, pero también él mismo, es decir, más refinado en el gusto, más austero en la grandeza, más desgarrador en el valor”. Hoy, 200 años después de su nacimiento, estas palabras quizá exageradas se mantienen vigentes. Su modernidad implacable permanece intacta. Sin embargo, ni la musicología ni los maravillosos intérpretes que en los últimos decenios han acometido la obra de Chopin desde perspectivas alejadas de la cursilería han logrado ubicarle en el puesto que le corresponde entre los más rotundos innovadores de la historia de la música.

Justo ROMERO

http://www.elcultural.es/

quarta-feira, 3 de março de 2010









O texto é a única forma de identificar o sexo e a humanidade de alguém porque, ó poeta estranho, o sexo de alguém, é a sua narrativa. A sua, ou a que o texto conta, no seu lugar. Assim o sexo será como for o lugar do texto.


Quando se deseja alguém, como tu desejas Infausta, e ela deseja Johann,
é o seu lugar cénico que se deseja,
os gestos do texto que descreve no espaço
e chamar-lhe
precioso companheiro;
de mim, direi que fui uma vez enviado,
trouxeste a frase que nunca antes leras,
o meu corpo a disse, e não reparaste que ficaste com ela escrita.


Maria Gabriela Llansol
in Lisboaleipzig II, 1994











____________________________
Dedico esta página do Caderno à Daniela e ao "encontro inesperado do diverso", que marcou hoje, inesperadamente o nosso re.encontro, quando cruzávamos, distraídas, em sentido inverso, os degraus do tempo e a conversa nos levou para uma espantosa convergência (com Llansol em fundo ...). Um bom dia.


___________________________________________________________________________________________

segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010






Horas antes esta esplanada era um sítio amável onde se tomava chá com scones e doce de maracujá.





Funchal, Sábado, 20 de Fevereiro _ 2010










Para o que aconteceu depois não tenho palavras
Foi tão brutal, tão insólito, tão duro
A ilha parecia de papel
(...)





_____________________________________________________________________

A propósito de filmes e ambiente ... vale a pena espreitar este blog

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010








Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de excepção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja
fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes
maneiras de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos
O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos
O lirismo dos clowns de Shakespeare

— Não quero mais saber do lirismo que não é libertação.



__________
"Poética", Manuel Bandeira















_________________________________________________________________________________



Parto para as ilhas _______________ ausento-me por uns dias. Dever a quanto obrigas ...
Deixo-vos imagens um dia de sol, frio e vento, a bordo de "La Rosa d`Elche", o sabor a mar e amigos  e a "Poética" de M. Bandeira a sacudir o adormecimento.





_______________________________________________________________________________










_________________________________________________________________________________
A Arquivista é uma nova revista cultura, da responsabilidade da FADE IN - Associação de Acção Cultural. Ao longo de mais de 100 páginas recebe contributos inéditos de valter hugo mãe, Paulo Kellerman, Tiago Baptista, Sílvia Patrício, Pedro Polónio, António Cova, Bruno Silva, Telmo Rodrigues, Clara Leão, Paulo Lameiro, Rui Ramusga, entre muitos outros. É o encontro das artes, testemunhos e ideias num objecto único. Letras, imagens e sons com periodicidade quadrimestral, a explorar a partir do passado dia 13 de Fevereiro.










Publicado por alice http://alicemacedocampos.blogspot.com/



_______________________________________________________________________

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

De repente, não mais que de repente . Fez-se de triste o que se fez amante (...) Vinicius




Desfile de Carnaval




[1941]
Desenho a guache e nanquim pincel/papel
25 x 28.8cm (aproximadas)

Washington, D.C.
Assinatura estampada no canto inferior direito "PORTINARI*". Sem data






_____________________________________________________________________________


Coleção particular, Fortaleza,CE





_____________________________________________________________________________________

sábado, 13 de fevereiro de 2010


Doris Lessing (Nobel da literatura), retrato por Sara Facio


______________________________________________________


Aprendizado é isso: de repente, você compreende alguma coisa que sempre entendeu, mas de uma nova maneira.



Doris Lessing
 
 
 
 
 
 
 
 










__________________________________________________________________________
_______________________________________________________________________________

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010



Roberto-Matta, Fingering Caprice (Homenaje a Paganini), 1982

Oil on canvas
88 x 100 cm
Private collection






Pintura para ouvir ________________________________________________________

Silencio-me ...

















________________________________________________________________________

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010




"Eu sou a Hermínia: sou Hermínia, pronto, não tenho outra maneira de dizer"
Era assim, com esta simplicidade, que se autodefinia a maior cantadeira de Cabo Verde. Uma figura frágil, gestos tímidos ______________ uma deusa em palco! Natural do Mindelo, faleceu no Domingo. Os seus discos eram dificeis de encontrar. Fui comprando os que pude. São todos preciosos. Hermínia d`Antónia Sal, seu nome





domingo, 7 de fevereiro de 2010











___________________________________________________________________________


Quando fazemos tudo para que nos amem e não conseguimos, resta-nos um último recurso: não fazer mais nada. Por isso, digo, quando não obtivermos o amor, o afeto ou a ternura que havíamos solicitado, melhor será desistirmos e procurar mais adiante os sentimentos que nos negaram. Não fazer esforços inúteis, pois o amor nasce, ou não, espontaneamente, mas nunca por força de imposição. Às vezes, é inútil esforçar-se demais, nada se consegue; outras vezes, nada damos e o amor se rende aos nossos pés. Os sentimentos são sempre uma surpresa. Nunca foram uma caridade mendigada, uma compaixão ou um favor concedido. Quase sempre amamos a quem nos ama mal, e desprezamos quem melhor nos quer. Assim, repito, quando tivermos feito tudo para conseguir um amor, e falhado, resta-nos um só caminho... o de mais nada fazer.




Clarice Lispector


_____________________________________________________________________



From: Museu Municipal S. Filipe - Fogo. Cabo Verde

Sent: Sunday, February 07, 2010 11:34 AM
Subject: [Fogo.Cabo Verde] Tarrafal Candidato a Património Mundial


O governo de Cabo Verde deverá ter pronta toda a documentação técnica da candidatura do Campo de Concentração do Tarrafal (norte da ilha de Santiago) a Património Mundial da Humanidade em 2011 ou 2012.

Segundo Carlos Carvalho, presidente do Instituto de Investigação e Património Cultural (IIPC) cabo-verdiano, a documentação do sítio histórico, já Património Nacional de Cabo Verde, será entregue logo que possível à Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO).

É necessário, contudo, desenvolver mais trabalho para a apresentação de uma candidatura com substância, sendo precisas obras de reabilitação no também conhecido por "campo da morte lenta", definitivamente encerrado a 01 de Maio de 1974.

Fonte: Lusa, Diário Digital_07/01/10






____________________________________________________________________________

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Porque hoje é Sábado e (6) um número redondo







 _____________________________ estendo o olhar à Planície da Luz.

Referendo o Sul e o Sol reflectido nas águas paradas . espelho líquido ... de um lugar perene diluído no progresso.



_______________________________________________________________________________







UTE LEMPER ~ Little Water Song

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010










As mãos escrevem nas pálpebras
a palavra astro
neste fim de tarde solitário.
A morte é a mais lúbrica das criaturase
e vem e vai
e pendura nas paredes
mil e uma fórmulas secretas
em que são iguais as quantidades de realidade
e do que a ela se opõe.
O vento está visivelmente cansado
arranhou-se num espinheiro
e corre-lhe pelo peito quente
um fio de sangue.
Qualquer coisa como música
advém do seu silêncio
e o olhar é uma ponte nitidíssima
entre duas realidades que não há.

Cruzeiro Seixas
in "A única tradição viva"
Perfecto E Cuadrado
edição Assírio & Alvim




_______________________________________________________________________


Tributo do Caderno de Campo a Rosa Lobato Faria ________________________ * )


________________________________________________________________

BIG ____________________________________________________





Fotografia: http://www.maggietaylor.com/







Bibliotecas pela Igualdade de Género



A UMAR - União de Mulheres Alternativa e Resposta e a Divisão de Gestão de Bibliotecas da Câmara Municipal de Lisboa estabeleceram uma parceria no âmbito do Projecto BIG - Bibliotecas pela Igualdade de Género para tornar os espaços das Bibliotecas Municipais, locais atentos às questões de género!
Pela diversidade do seu público, pela predominância de frequentadoras/es jovens e pela antiga tradição dos livros se constituírem como arquitectos de sonhos e motores de mudança, as Bibliotecas Municipais constituem-se como espaços por excelência para a realização de actividades que visem a promoção dos valores da Cidadania e da Igualdade de Género.

Pretende-se, desta forma, lutar contra os estereótipos reprodutores da desigualdade de género e dar maior visibilidade às mulheres na história e na sua afirmação social e política.

O projecto dinamizou, em 2009, debates/conferências em seis das Bibliotecas Municipais de Lisboa no âmbito da temática «As Mulheres no Espaço Público»:


Biblioteca Municipal David-Mourão Ferreira
Biblioteca Municipal Natália Correia
Biblioteca Municipal dos Olivais
Biblioteca Municipal Orlando Ribeiro
Biblioteca Municipal de São Lázaro
Biblioteca-Museu República e Resistência (Espaço Cidade Universitária)


Brevemente, no Museu do trabalho Michel Giacometti, em Setúbal, junto ao Miradouro da Fontaínhas / no mês de Março, Sábado, dia 6, às 15h, conferência por Isabel Lousada sobre  "As mulheres e a República", parceria com a SEIES)


http://blx.cm-lisboa.pt/fotos/gca/1233313495umar_desdobravel_vfinal.pdf





_____________________________________________________________

terça-feira, 26 de janeiro de 2010

adormecer (...) para sempre no seio tranquilo do Nada


A questão da identidade das ciberentidades e da ilusão de um conhecimento desencarnado pode ser iluminada através da experiência da fragmentação do sujeito e da dispersão heteronímica explorada por vários autores modernistas, entre os quais Fernando Pessoa (1888-1935). Em Pessoa existe constantemente uma tensão entre a desmaterialização do sujeito em mecanismos de consciência e a natureza profundamente sensorial da apreensão do mundo que resulta desses mecanismos. Quase como se a ausência se tornasse presença devido à intensidade emocional com que Pessoa a representa. Trata-se de presentificar o si perante si mesmo. A força do seu mundo mental parece sobrepor-se ao mundo externo da existência. Neste excerto, de um diário em inglês escrito em 1908 (Pessoa tinha então 20 anos), encontram-se muitas das obsessões, projectos e imagens de toda a sua escrita posterior:




Enfureço-me. Queria compreender tudo, saber tudo, realizar tudo, dizer tudo, sofrer tudo, sim, sofrer tudo. Mas nada disso faço, nada, nada. Fico acabrunhado pela ideia daquilo que queria ter, poder, sentir. A minha vida é um sonho imenso. Penso, às vezes, que gostaria de cometer todos os crimes, todos os vícios, todas as acções belas, nobres, grandiosas, beber o belo, o verdadeiro, o bem de um só trago e adormecer em seguida para sempre no seio tranquilo do Nada.


Deixem-me chorar. [...]


Estou aqui sentado, a escrever à minha mesa, com a caneta na mão, etc., e de súbito acomete-me o mistério do universo e paro. Estremeço, receio. Desejo nesse momento deixar de sentir, matar-me, bater com a cabeça contra a parede.


Feliz do homem que pode pensar profundamente, mas sentir tão profundamente é uma maldição. Como descrevê-la? Horror sobre horror.

Fernando Pessoa, excerto do diário de Alexander Search, 30 Outubro de 1908, in Escritos Autobiográficos, Automáticos e de Reflexão Pessoal, org. Richard Zenith, trad. Manuela Rocha, Lisboa: Assírio e Alvim, 2003, p. 91.

 
 
__________________________
Manuel Portela [15-16 Nov. 2003]
Fonte: http://www.ci.uc.pt/diglit/DigLitWebDdeDevaneios.html








______________________________________________________________________________

domingo, 24 de janeiro de 2010

Deus triste






Deus é triste.


Domingo descobri que Deus é triste
pela semana afora e além do tempo.


A solidão de Deus é incomparável.
Deus não está diante de Deus.
Está sempre em si mesmo e cobre tudo
tristinfinitamente.
A tristeza de Deus é como Deus: eterna.


Deus criou triste.
Outra fonte não tem a tristeza do homem.














Carlos Drummond de Andrade


________________________________________________________________________________

sábado, 23 de janeiro de 2010

investigação em progresso _______________________________







22 e 23 de Janeiro de 2010 - I Seminário de Investigação de investigação em Sociomuseologia


O objectivo principal deste seminário é a apresentação e discussão, em contexto académico, dos dados obtidos pelos diferentes projectos de investigação que estão a ser desenvolvidos pelos(as) doutorandos(as), no âmbito da Linha Principal de Investigação em Sociomuseologia do TERCUD.

O Seminário de Investigação constitui-se como um espaço vocacionado para a apresentação e partilha dos dados dos projectos de investigação na área da Sociomuseologia, desenvolvendo-se no âmbito da preparação de Teses de Doutoramento em Museologia.



Pretende-se, desta forma, aprofundar a reflexão sobre a investigação que se desenvolve em Sociomuseologia em Portugal; potenciar a reflexão dos(as) investigadores(as) sobre a situação, perspectivas e desafios da investigação em Sociomuseologia; reforçar e redefinir métodos de investigação e práticas científicas que promovam diferentes níveis de participação, saberes e percepções no cenário nacional da museologia.



O Seminário pretende suportar e aprofundar, as questões da investigação em Sociomuseologia, o seu objecto de estudo, as metodologias e os instrumentos de investigação em museologia.



ORGANIZAÇÃO:



Departamento de Museologia

Tercud – Centro de Estudos do Território, Cultura e Desenvolvimento
Faculdade de Arquitectura, Urbanismo, Geografia e Artes
Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias



___________________________________________________________________________________

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

cannibale

ce désir sauvage, certain jour,
de mêler du sang et des blessures
aux gestes contractés de l’Amour
et de percevoir, sous les morsures
qui perpétuent le goût des baisers,
les sanglots de l’amante, et ses râles…
ah! rudes désirs inapaisés
de mes noirs ancêtres canibales…



léon laleau
in: anthologie de la nouvelle poésie nègre et malgache de langue française, organizada por l. s. senghor


______________________________________________________________________________



citado por http://www.salamalandro.redezero.org/canibal-um-poema-de-leon-laleau-poeta-haitiano/



__________________________________________________________________________________

A deusa. Quem é a deusa ?















Agostinho da Silva responde a André Abrantes Amaral, em entrevista gravada, em 1990,  numa manhã de Abril, no miradouro de São Pedro de Alcântara. no âmbito de um despretensioso exercício académico do 10º ano, realizado por três curiosos estudantes, para a disciplina de jornalismo.

(encontrei esta preciosidade navegando em http://observador.weblog.com.pt/arquivo/167568.html .
sigam-me ... )




AA O senhor professor é católico?



AS – Olhe não sei, se sou, se não. Sabe? __________Não me sinto autorizado... Se eu fosse o Papa... Mas como não sou, não sinto autoridade de decidir uma coisa dessas. Bom, uma das coisas que definem ser católico é ser baptizado, eu não consenti o baptismo, mas os meus pais acharam que me deviam baptizar e baptizaram, não é assim? Bem, depois pergunto: O que é ser católico? Perguntam-me: “ É católico?” Por exemplo baptizado, “ sim senhor, sou baptizado.”

Agora se me perguntam, se acredito num Deus criador do mundo, digo “ Querido amigo que grande atrapalhação.” Se vou para a física, o físico não diz o mundo, o físico diz o universo não foi criado. Mas há que estabelecer uma diferença entre universo e mundo? Claro que há!

O universo é um termo que resume tudo: Imaginado e não imaginado. E o mundo? O mundo, e agora vou dar a grande novidade, o mundo é um adjectivo. Toda a gente acha que o mundo é um superlativo, mas não, é um adjectivo. É um adjectivo, porque se pensarem, o contrário de mundo é imundo. E imundo toda a gente acha que é um adjectivo. Então se imundo significa sujo, complicado, alguma coisa de que me afasto, mundo o que é? Significa límpido e puro. É verdade! O Camões tem uma frase em que fala das limpas almas. São almas puras, almas límpidas. Então o mundo o que é? É aquela parte do universo, que nós percebemos. O universo pode ser infinito, sabe-se lá o que há. Mas o mundo, é aquilo que eu percebo. Agora se eu digo: “Deus criou o mundo.”

Vocês perguntam: “ Mas você acredita que Deus criou o mundo?” Se, o mundo, as possibilidades de ele se conhecer no universo, me é dada por alguma coisa fundamental, no dito universo, eu aceito que sim. “É a criatividade?” “Hã?”. A única coisa que não foi criada no mundo é a criatividade. Essa não podia ter sido criada porque ela é ela própria. Mas se o senhor me diz: “Então, você acredita que há criatividade no mundo?” Como não hei-de acreditar? Está no próprio universo, na cor das asas das borboletas, na matemática que se vai inventando, naquilo que se sente na vida, em qualquer dessas coisas, Então você diz: “ Deus é a criatividade” Vamos a isso. Mas o Papa concordava com você? Ele não. Mas o que há é uma ultima instância da Igreja católica, que é o Papa ou o Concílio, o que vocês a quiserem nesse sentido. Cada coisa, quando se resolve fazer isto ou aquilo, tem que se chegar a todas as espécies de definições.

Bem então o próprio Cristo: Cristo é considerado na igreja, O filho de Deus. O que significa isto, ser filho de Deus? Claro que se há um Deus criador do mundo, no primeiro momento antes de ele criar o mundo esse Filho aconselha Deus a esconder que ele existia, portanto havia uma segunda personagem, que se pode dizer filho da primeira personagem e acusando o ouvir o divino em si mesmo o que dá perfeitamente a questão do Espírito Santo. Bem portanto, o difícil, não é ser católico, o difícil é não ser outras coisas também. Se eu disser assim: Você é dos Judeus?” “Sim.” Então acredita no Deus criador mas não em Cristo. Porque ai houve logo uma reivindicação. “Então e os deuses que tinham os gregos, que tal? “Muito bem, acredito; Sim. Naquele ideal de ter liberdade, nessa coisa toda.” Mas há uma coisa que eles nunca conseguiram: Foi verem-se livres das prisões de espaço e de tempo, que prendem o homem, que não deixam ser tão alto como eram os deuses, que eles imaginavam. Mas há alguma hipótese de ser, de chegar a isto? Talvez haja! E então sito Camões. Então sito Camões, onde? Na ilha dos amores e você diz: “Então quem é este, que sita a ilha dos amores?” Claro. O Camões disse: “ Enquanto se trata de cumprir uma empresa, todos nós temos de ser disciplinadíssimos” Senão como é que o Vasco da Gama chegava a Índia? Mas depois de cumprir a empresa, a nossa obrigação é sermos nós próprios.” Todos aqueles marinheiros que desembarcaram na ilha dos amores, eles já não são mais marinheiros, nem coisa nenhuma, eles são eles próprios! O que é que fazem na ilha? Isso é extremamente interessante. Eles primeiro livram-se do corpo, esquecem-se que têm corpo. Se alguém vos perguntar: “ Qual é a primeira coisa para uma pessoa se esquecer que tem corpo?” Bem, uma economia que satisfaça todas as necessidades, e depois uma ciência que ajude a superar a doença quando ela aparecer. Bem e o que é que acontece? Eles por exemplo livraram a cabeça de toda a espécie de pesadelos que o corpo cria e ficaram com a cabeça limpa, para escutar quem? A deusa. Quem é a deusa? É o nome que Camões dá a criatividade. A deusa fala aos portugueses e o que é que acontece? Acontece que ele conhecem o futuro e vêm-se livres do tempo, sabem o que acontece do outro lado do mundo, porque a deusa lhes mostra a máquina do mundo, lá ao longe e diz: “Estão fora do espaço.” Portanto livres de impostos, livres do tempo e do espaço, prontos a ouvir a deusa e a nascerem com a criatividade. E onde é que nós achamos a criatividade no mundo? Na arte, na ciência e na mística. Portanto, quando o homem pretende lançar-se à arte, à ciência e à mística ou à metafísica ou à filosofia, como vocês quiserem, o homem casou-se com a deusa. Então Camões foi o único a falar nisso? Não! O outro que falou nisso foi Vieira! E o jesuíta a par do aventureiro? E o jesuíta a par do aventureiro! Claro que as receitas que dá o Vieira, para a pessoa se livrar do corpo, não são as mesmas que deu o Camões. São a meditação de qualquer religião que a pessoa tenha, e mais, isto aquilo de preceitos e aquela coisa roda. Para ouvir a voz de quem? O Vieira não diz a deusa, diz Deus. Que também é criatividade. Portanto no século XIII, com Camões e com Vieira, uff, isto...
E depois ainda com Pessoa, os portugueses recebem todo este conceito do estimulo da história, e estudando o programa dos descobrimentos é que havemos de fazer os descobrimentos do futuro: Como é que nós vamos caminhar, para estarmos com a nossa vida bastante livre e promovida por nós próprios, para podermos fazer a arte, fazer a ciência, fazer a mística, casando-nos com a criatividade. Vocês então perguntam: “ Excepcional, como é?” Pois até agora, só estivemos raciocinando, não estivemos fazendo poesia nem sonho. Simplesmente, estamos presos às coisas, que tem de se dar tempo a que o pão rebente, e primeiro devemos ter uma prática exactamente como temos o sonho, e toda a nossa vida deve ser o levar a prática a coincidir com o sonho, ou seja, fixar o horizonte tanto que se amplie esse mesmo horizonte.





__________________________________________________________________________






sábado, 16 de janeiro de 2010

Terramoto. magnitude 7. Haiti .16h53. terça.12.epicentro. Leogane












______________________________________ A desgraça rasgou dramaticamente o anonimato. Trouxe rostos à boca de cena (infelizmente suplicantes ... ) seria bom tê-los conhecido antes ________________________________




_____________________________________________________________________________

le rappeur américano-haïtien Wyclef Jean (photo) appelle à la solidarité internationale.



http://www.france24.com/fr/20100114-artistes-haiti-morts-laferriere-trouillot-jean-seisme-wyclef-jean




"A chaque heure qui passe, nous apprenons la mort ou la disparition d'un artiste, assure le critique musical de FRANCE 24, Amobe Mevegue. Nous sommes par exemple sans nouvelles d'un groupe célèbre, Boukman. C'est une situation très inquiétante."



La chanteuse Emeline Michel, le groupe Tabou Combo, l'écrivain Dany Laferrière... Haïti jouit d'une scène culturelle très riche. Deux jours après le séisme, toute la communauté artistique est ébranlée.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010











"... como nos LIVROS ... nos romances de cavalaria, um amor cortêz ... "





elf

in "a nave dos amantes", ed corpos celestes, espaço sideral, sd









Em fundo, ouço as notícias tristes que sopram do Haiti
Desalento fustigado pela [incomensurável] tragédia  ...



_________________________________________________________________________________


_____________________________________________________________________________


Fotografia: Jerry Uelsmann











________________________________________________________________________


quarta-feira, 13 de janeiro de 2010



Empty Plate, New York, 1947 © Irving Penn


(...) por mais estranho que possa ser o claustro e a palavra reiterada. como desaguantes pedaços de um coração chegam-me o mármore e a espada. amanheço pelo ruído de um tambor e com a chama do antigo. que é volúpia inconfidente. ai quantos ais são colisões e cálices de lata_________ai deuses de argamassa que assim nos são sangria. ah______quem dera ser a face de Eckhart.

divina vigília.



isabel mendes ferreira




_________________________________________________________________________

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

HOJE



Fotografia: Irving Penn





























_____________________________________________________________________________



O dia não foi meu
e tantos outros que o não são
erro no calendário
ou voluntária distracção

E os dias que foram meus
gestos de outros são
que se dão a quem os quer
nos dias que o não são

E da pressa de os perder
do descanso de os contar
ganho vícios da noite
que me sabem perdurar




HOJE, Marcelino Vespeira
in " A única real tradição viva", ed. Assírio & Alvim













_______________________________________________________________________________________________

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

ODE DESCONTÍNUA E REMOTA PARA FLAUTA E OBOÉ. DE ARIANA PARA DIONÍSIO.






Cleopatra with the Asp (1630), Royal Collection, Windsor; Reni, Guido








É bom que seja assim, Dionisio, que não venhas.

Voz e vento apenas
Das coisas do lá fora

E sozinha supor
Que se estivesses dentro

Essa voz importante e esse vento
Das ramagens de fora

Eu jamais ouviria. Atento
Meu ouvido escutaria
O sumo do teu canto. Que não venhas, Dionísio.
Porque é melhor sonhar tua rudeza
E sorver reconquista a cada noite
Pensando: amanhã sim, virá.
E o tempo de amanhã será riqueza:
A cada noite, eu Ariana, preparando
Aroma e corpo. E o verso a cada noite
Se fazendo de tua sábia ausência.

II
Porque tu sabes que é de poesia
Minha vida secreta. Tu sabes, Dionísio,
Que a teu lado te amando,
Antes de ser mulher sou inteira poeta.
E que o teu corpo existe porque o meu
Sempre existiu cantando. Meu corpo, Dionísio,
É que move o grande corpo teu

Ainda que tu me vejas extrema e suplicante
Quando amanhece e me dizes adeus.

III
A minha Casa é guardiã do meu corpo
E protetora de todas minhas ardências.
E transmuta em palavra
Paixão e veemência

E minha boca se faz fonte de prata
Ainda que eu grite à Casa que só existo
Para sorver a água da tua boca.

A minha Casa, Dionísio, te lamenta
E manda que eu te pergunte assim de frente:
À uma mulher que canta ensolarada
E que é sonora, múltipla, argonauta
Por que recusas amor e permanência?

IV
Porque te amo
Deverias ao menos te deter
Um instante

Como as pessoas fazem
Quando vêem a petúnia
Ou a chuva de granizo.

Porque te amo
Deveria a teus olhos parecer
Uma outra Ariana


Não essa que te louva


A cada verso
Mas outra

Reverso de sua própria placidez
Escudo e crueldade a cada gesto.

Porque te amo, Dionísio,
é que me faço assim tão simultânea
Madura, adolescente

E por isso talvez
Te aborreças de mim.
(...)




_____________
[Júbilo memória noviciado da paixão (1974)]
[in Poesia: 1959-1979/ Hilda hilst. - São Paulo: Quíron; (Brasília): INL, 1980.]






















_____________________________________________________________________________________________








__________________________________________________________________________________

sábado, 2 de janeiro de 2010

Eu sou a fotografia _______________________________________________________








Hilda Hilst, s/d, s/l










"Nenhum sonho se cumpre. Um sonho é sempre o sonho de um sonho."




"A ditadura portuguesa foi de sacristia. A ditadura no Brasil foi de quartel." Quem fala assim, com conhecimento de causa, é Fernando Lemos, 83 anos de idade, radicado no Brasil há quase seis décadas. Fernando Lemos - surrealista que, como Man Ray, se notabilizou através da fotografia - é a memória viva de grande parte da melhor inteligência lusa e brasileira do século XX. Criador multifacetado e crítico felino do "português suave".

Fernando Lemos está em Portugal. Visitei, há dois dias, a magnífica exposição de fotografias (cerca de meia centena) da sua autoria na Fundação Cupertino de Miranda, em Famalicão.



Até final de Fevereiro do novo ano, vale a pena ______________________
impressionaram-me sobretudo os retratos (cinematográficos) de Hilda Hilst, Lígia Fagundes Teles, Jorge de Sena, António Pedro, Jacinto Ramos, José Viana, José Cardoso Pires, Cesariny, Vieira da Silva e Sofia de Melo Breyner, entre outros, realizados nas décadas de 40/50 do sec XX. Um poeta da imagem, há mesmo quem lhe chame o "Agostinho da Silva da fotografia". Não arriscaria tal comparação, mas acho que se igualam no génio, na inquietação, na interpelação dos olhares, no arrojo do pensamento. Uma exposição a não perder com catálogo anunciado para Março. Até lá, está à venda na Fundação, pela módica quantia de quinze euros, o recheado catálogo de 188 páginas de uma outra exposição sobre a vida e obra deste fascinante e multifacetado artista; um belíssimo livro editado pelo Sintra Museu de Arte Moderna - Colecção Berardo, em 2005, por altura da exposição retrospectiva denominada " Fernando Lemos e o Surrealismo ".


Ler  AQUI entrevista /  Fernando Lemos: Eu sou a fotografia - Cultura - PUBLICO.PT








______________________________________________________________________________

Seguidores

Povo que canta não pode morrer...

Pesquisar neste blogue