quarta-feira, 9 de janeiro de 2008

Carmim



Hoje, por instantes, entreguei-me nas mãos da Márcia e perdi a noção do tempo. Como num teatro de marionetas, o corpo quase que desapareceu no escuro e só se viam dedos e mãos iluminadas por um pequeno candeeiro, no canto do salão. Neste cenário, esquecida de mim, viajei até à cidade de Londrina, no Paraná e quase toquei as saudosas infâncias ... do " era uma vez " no Pantanal ... desfiadas nas estórias e memórias de uma mulher de vinte e oito anos, imigrante brasileira, que há nove anos, grávida de esperança, veio para Portugal à procura de melhor vida. Também esteve na Inglaterra, " mas aí ainda foi pior ... não havia sol "

Mas está difícil ... " se calhar vou voltar, vou criar lá os meus filhos ... aqui o dinheiro não chega nem para pagar o infantário ... lá, ao menos, tem creche gratuita e até farmácia do povo e ... estou perto do meu pai e dos meus irmãos", dizia-me ela, com os dedos nos meus dedos, massajando-os maquinalmente ao ritmo da emoção.

Chegou a hora de escolher a cor ... olhei atordoada a paleta e dei-lhe a primazia do acto. Ela escolheu o carmim ... sorri-lhe e saí com a cabeça cheia de sensações, ideias e lugares.

Agora, teclando, olho para estas unhas festivas e ...
estala-(se)-me o verniz !
Lembro-me da Marta, das vaidades, da intimidade do nosso iluminado re.canto, das brincadeiras deliciosamente recreadas no exuberante Pantanal (coisa de pouca dura, porque a Marta começou a " fazer unha " aos onze anos no salão da tia. "Era preciso ... " eram muitos irmãos e ... o pai era amigo dos filhos, "não nos faltava com nada em casa, mas ... tinha muitas amantes, sabe como é ? ... Vivíamos no campo ... mandaram-me para a cidade, trabalhar, era assim ... tinha que ser... e eu gostava ! " )


E a isabel mendes ferreira disse ...

"Marta que é nome das diferenças e das desigualdades....
Marta no caminho ínsulo dos sonhos.
e o verniz sempre carmim a cavalgar o cinzento dos dias."

Já com a Isabel, à mesa de um prometido fim de tarde ... interrogo.me ...

não sei se a Marta se lembrará algum dia do meu nome ou se fui apenas mais "uma unha para fazer" ?
Mais uma unha encravada na vida difícil das Martas e das Marias, de cá e de lá, a sobre.viver na dourada Europa que ... já não é o que era.

Tantos, tantos mitos. Tanto para contar, re.contar ...
e os argumentistas em greve !

10 comentários:

  1. pois é....mas se te conhecerem ainda te levam...para re.escreveres o argumento da "atenção às pequenas grandes coisas"...:)

    Marta que é nome das diferenças e das desigualdades....Marta no caminho ínsulo dos sonhos.

    e o verniz sempre carmim a cavalgar o cinzento dos dias.


    aí nesse recanto ao canto da mão direita deposito um beijo.

    :)


    até logo.

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  2. «Esta pequena mão, âncora de carne em vida, estas amarras suas veias artérias palpitantes, este peso dum corpo e este calor, não me deixarão partir ainda...» de Luiz Pacheco...

    belíssimo!


    mãos a serem pontes.

    ______________________________

    como as que Marta segura.


    bom dia. ainda.

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  3. mitos e histórias de um mundo cada vez mais desigual

    e tão esburacado...

    a marcha atrás no tempo está a ser rápida demais (vou escrever sobre isto)...

    abraço Isabel

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  4. Vim desejar um bom e melhores mitos boa semana

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  5. ....mas o chá adiou.se...:) partida a unha do tempo ficou na mesa um ramos de lírios. e uma rosa vermelha. como o vermelho que a Marta tatuou nos teus dedos...reconhecíveis álamos curvados ao vento. quente. de lá.



    até logo. lá...
    com beijos...

    (e pedra de lua).....



    imf.

    _______________


    olha, até que gosto de estar neste Caderno Diário de Campo...:)

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  6. Soube da sua visita lá pelas minhas terras. A boa gente do condado vibrou com a presença da garota dos museus, e promete na próxima vez, receber-lhe com uma deliciosa sopa de letrinhas, de uma receita do clã dos Túks. Porém, sabedores da sua cultura luxuosa, não serão letrinhas quaisquer. Já estão preparando a massa com caracteres idênticos ao de uma antiga e misteriosa escrita cuneiforme.
    * * *
    Tocante esse texto, e também revelador da sua alma sensível com referência a esses desencantos humanos.
    O Paraná, o estado dessa moça, a Márcia, há uns vinte anos apresentava um dos melhores índices de qualidade vida do Brasil, com um percentual pequeno de pobreza, grau zero de miséria e quase sem analfabetos.
    Nos últimos quinze anos, com a implantação no Brasil de um sistema econômico neo-liberal perverso e concentrador de riquezas, a realidade é outra. Por sinal, acredito que esse sistema já contaminou - ao menos pelas bordas, a ex-quase-socialista Europa. Leio a respeito de crises em Portugal, e até mesmo em economias mais poderosas como a da França, a meu ver, caminhando para a falência da sua previdência social e muito mais automóveis incendiados.
    É sempre uma satisfação ler e ver as coisas que publica.
    À cada saída do seu blog, sinto-me um pouco mais sábio. Beijo-te!

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  7. (tb.)


    ****



    mmmmmmmmmmmmmmmmmmmuuuuuuuito.


    y.

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  8. Sem argumentos_________

    ________ não há_________

    vida!

    _________Um abraço.

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  9. são estes pequenos
    nadas
    quase
    comezinhos
    feitos
    de
    gestos
    ternos
    à
    volta
    dos
    dedos
    que
    constroem
    as
    pontes
    humanas



    ( só? )

    estou como o Oliver e a I=Y .muito + sábia


    um beijo

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  10. obrigada, isabel victor.
    :)

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