quarta-feira, 8 de novembro de 2006

A Participação como Processo-chave da Qualidade em museus

A opacidade, mais ou menos generalizada, dos museus na sociedade, sustentada pelo discurso do auto elogio da diferença (virtual porque não comprovada ou porque só pontualmente testemunhada em áreas específicas do saber), enfraquece a sua capacidade de intervenção, restringe a comunicação, promove o autismo social e desmotiva as parcerias inter organizacionais. Pensamos que os museus ganhariam imenso em adoptar as ferramentas e conceitos da Gestão da Qualidade, como instrumento de medição dos resultados obtidos pelos museus na prossecução das missões, comparando-nos com os de outras organizações (benchmarking), como medida efectiva de avaliação relativa do impacto destes na sociedade. Falta uma linguagem comum que permita comparar, sem preconceitos, o desempenho social dos museus com o de outras organizações, tornando-os mais acessíveis, “ usáveis” e transparentes.

A opacidade dos museus, enquanto organizações, inibe as expectativas dos cidadãos relativamente à sua participação nos processos museológicos e na avaliação dos resultados, devido à dificuldade objectiva em compreender como o podem fazer e quais os benefícios que daí advêm para os indivíduos e para a comunidade. O cidadão terá que saber, objectivamente, o que pode esperar da entidade organizacional museu no contexto da sociedade actual e, enquanto membro da comunidade, saber como pode participar activamente na definição da sua missão, comprometer-se com a visão, identificar-se com os valores, entender a especificidade processual do fazer museológico e, sobretudo, ter parte activa na autoavaliação, como meio fundamental para prosseguir a melhoria contínua.

O enfoque na participação como processo–chave da Qualidade em museus, tem conduzido, no interior e no exterior da comunidade museológica, ao questionamento desta lógica organizacional e da ideia de museu que lhe está subjacente, impulsionando reflexões que visam a reavaliação dos conceitos e práticas convencionais que modelam a acção museológica e a revisão das missões dos museus no que toca à sua função social e à percepção efectiva da Qualidade, como conceito abrangente, indissociável dos ideais de desenvolvimento e de cidadania. A nosso ver, a permanência do preconceito relativamente à autoavaliação e participação efectiva dos cidadãos, assenta na opacidade dos modelos convencionais de gestão, baseados em administrações burocráticas, centradas no controle das funções e das pessoas, mais preocupadas com os objectos do que com os objectivos, idolatrando o que permanece e desperdiçando o que fluí.

Não nos podemos esquecer que nem toda acção museológica conduz a produtos finais identificáveis e que a dimensão processual da museologia social (a “caixa negra” que regista as mudanças de rumo e os fluxos varáveis de participação) carece de ser avaliada e explicitada como evidência primordial da Qualidade em museus.

A Gestão da Qualidade assenta na autoavaliação, flexibilização e transparência das organizações, como via para o desenvolvimento pessoal, a democratização das sociedades e a satisfação das pessoas entendidas como input e output do sistema da Qualidade

A dimensão ontológica do museu, como lugar onde se pensa o mundo próximo e distante, em ordem à mudança, contra a exclusão, obriga a um exercício permanente de observação e negociação, resultante do diálogo entre os museus, as pessoas e as organizações, formais e informais, com perspectivas diferenciadas de sociedade, valores, culturas e patrimónios. Esta não é tarefa fácil porque, como todos sabemos, não há museus neutros nem políticas inócuas.
Há que fazer opções, estabelecer compromissos, firmar contratos sociais com os parceiros e ter uma visão clara sobre o sentido a dar aos museus, inequivocamente expresso nas missões, fortalecido no auto conhecimento e na avaliação comparativa dos resultados. Ter uma clara percepção do que representa a museologia, enquanto ciência - expressão do pensamento contemporâneo e o campo da acção museológica - a práxis que traduz o posicionamento dinâmico dos museus na sociedade, face aos graves problemas com que se deparam hoje as pessoas e as comunidades, no imenso mundo global onde impera a solidão individual.

Neste mundo complexo e ruidoso as pessoas precisam de silêncio, anseiam ser ouvidas e o Museu pode ser esse espaço cerimonioso de escuta. A disponibilidade para ouvir é também uma forma activa e atenta de suscitar a livre participação e favorecer as expressões identitárias dos diferentes grupos na comunidade.



Isabel Victor
Museu do Trabalho Michel Giacometti
museutrabalho@iol.pt
Setúbal, Novembro 2006

Sem comentários:

Enviar um comentário

Seguidores

Povo que canta não pode morrer...

Arquivo do blogue

Pesquisar neste blogue