sábado, 26 de julho de 2008



Fotografias http://www.jkkfinearts.com/photography/



Estamos debruçados sobre o papel branco, como sobre o espelho labiríntico da nossa alma enigmática. Escrevemos, pensamos, libertamos inteiros compartimentos fechados, e logo outros escondidos e logo aqueles, invisíveis, de que jamais suspeitáramos. Existiam realmente, esses universos que o pensamento nos cria, a partir às vezes de uma imagem, de uma palavra, de uma sombra? Sentimos que nunca mais acabaremos, até ao último dia, até ao último minuto, até à última inspiração, de nos aproximarmos, de abrirmos novas portas, de descobrirmos novos espaços. Visitámos em Creta, o labirinto de Cnossos, o palácio onde o signo do labris, o duplo machado sacrificial, foi desenhado em cada divisão acrescentada ao projecto primitivo. Assim, sabemos que um labirinto não é uma série cifrada de corredores, mas uma imensa habitação que se vai construindo através dos tempos, aumentada e remodelada de geração para geração, sendo cada compartimento absolutamente necessário e funcional. Enganam-se aqueles psicanalistas que julgam ter encontrado o mecanismo secreto, a fotomontagem das almas. Uma alma, quando é explorada, penetrada, analisada, quando, sobretudo, se assume como reveladora do cosmos e representante infinitamente complexa do infinitamente grande, amplia-se, cresce, vai formando, lenta e incansavelmente, um corpo invisível, dia a dia maior, dia a dia diferente. (…) Assim, o papel branco do escritor é como a superfície cutânea, na qual um abcesso de fixação vai drenando o curso evolutivo do seu pensamento. O importante é que o canal nunca se feche, entre a elaboração conceptual e a expressão exterior. O importante é que o labirinto nunca se dê por concluído, nunca degenere em sistema circular, nunca se circunscreva num muro, nunca feche a última porta.



António Quadros, 'O Movimento do Homem'







Fonte: Blog sobre António Quadros



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16 comentários:

  1. "(...)em vez de restringir o teu mundo, de simplificar a tua alma, hás-de ter de chamar a ti cada vez mais mundo, e finalmente terás de chamar a ti o universo inteiro ao seio da tua alma dolorosamente expandida, talvez para um dia alcançar repouso, o fim. (...) ter alargado a sua alma até ela conseguir de novo abraçar o todo."

    Herman Hesse "O lobo das estepes"

    o conceito da universalidade da alma ou da expansão da alma é o mesmo quer para Hesse quer para A.Quadros, neste pequeno e interessantíssimo excerto que nos trazes.

    Nesse caminho de expansão da alma até ao todo, vamos construindo labirintos,abrindo novas portas encadeados entre si. A consciência humana ou a alma humana como queiram chamar é universal, portanto inevitavelmente o caminho será no sentido da evolução, doloroso ou não, será sempre o de alcançar cada vez mais universo.

    "O importante é que o canal nunca se feche, entre a elaboração conceptual e a expressão exterior. O importante é que o labirinto nunca se dê por concluído, nunca degenere em sistema circular, nunca se circunscreva num muro, nunca feche a última porta."

    ...este é o ponto principal e a diferença entre o homem comum que se limita a viver a alimentar o corpo... e o Homem.

    Um beijo

    e

    muitas flores

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  2. O "papel em branco" é, para muitos de nós, a tábua de salvação...O ponto de equilíbrio, o reencontro. A fuga da solidão ou da loucura.
    Na labiríntica construção da nossa alma, é a porta possível, para o entrosamento de canais.
    beijo

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  3. Achei o texto interessantíssimo,
    assim como a reflexão da "mié".
    De qualquer modo fiquei a pensar:
    é a alma que-em-si se expande até
    abraçar (ou integrar) o todo
    à boa maneira de certas filosofias orientais? Não nos podemos esquecer
    que Herman Hesse era influenciado por esse tipo de filosofias. Ou, em Quadros, à imagem de uma filosofia cristã, estamos ante uma alma una (ao contrário do que defendia Averróis) e finita, como
    compete às criaturas, e o que se expande é a sua capacidade de apreensão do real, ou seja, no cristianismo não se expandindo a alma-em-si ela tem a capacidade de
    "criar" todo um leque de possíveis.
    Pouco sei de Quadros, mas, pelo que ouço, não o vejo ligado a uma filosofia budista. Outra coisa: no ocidente raramente alma e consciência são sinónimos. Finalmente: não sei o que Quadros
    sabia de Psicanálise, mas hoje sabe-se que ela encerra - e definitivamente!- alguns corredores
    do labirinto, claro que pode abrir outros, mas isso já é outro assun-
    to. Conclusão: vou sair daqui com
    muito trabalho de casa para fazer
    e com uma vontade enorme de uma
    "tertualiazita". Parabéns à "mié"
    pela argumentação (se é q a minha
    opinião vale alguma coisa)

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  4. o rasgo.







    rasgão.




    profundo.


    até ao osso.


    .


    beijo-te.


    .



    __________________.

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  5. cada vez maior a necessidade de te re descobrir

    inteira

    por aqui

    [ mesmo quando as palavras são de outros ,a fidelidade a uma linha condutora raia o excelente ]


    .
    um beijo ,iv

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  6. O papel branco do escritor. A superfície cutânea: estremecida, rasgada, transformada em palavras ou em mudez.

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  7. da pele da alma,
    superfícies intangíveis tornadas forma, palavra, passagem...


    (belíssimo...)



    beijo

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  8. um pé perfeito,uma pele imperfeita, um papel em branco como o mármore, a mente nua e fria.como o papel vigem. como o mármore banhado pelo luar.

    é como me sinto. agora.

    CSD

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  9. Risco-te em punho
    .
    .
    .
    em cerco aberto, de almas a descoberto
    .
    .
    sinto
    pele

    bjo

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  10. Excelentes imagens e reflexão (do autor do texto e dos aqui comentadores)!

    Um bj e continuação de boas férias...

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  11. Algums homens vêem as coisas como são e dizem: Por quê?
    Eu sonho com as coisa que nunca foram e digo: Porque não?

    George B. Shaw

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  12. Ao longo dos tempos, o Homem inventou-se a si mesmo, em plenas pujança e debilidade de ser livre ... Inventou-se em direcção ao infinito de ser... Caiu nos abismos da sua limitabilidade... Voou entre conquistas e derrotas, entre os sonhos e as lágrimas... Mas, mesmo escravo, mesmo morto...o Homem não perdeu o desejo de sonhar e de respirar a liberdade... Na ilusão de ser deus?... ou na ilusão de ser Homem?... Sempre na ânsia de ser livre...

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  13. "O importante é que o labirinto nunca se dê por concluído"

    O mais importante não é a chegada ao cume, é a subida.É nela que encontramos tudo aquilo que nos mantém vivos.

    Belissmo texto, carregado de verdades que nos fazem pensar...

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  14. texto emblemático,de conteúdo extraordinário, que preenche cada folha em branco do pensamento. para ser lido mais de uma vez. belíssimo post. meu abraço.

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  15. é assim que, institivamente se soltam letras, palavras inteiras e poemas. à flor da pele. de papel.hino à criação recém iniciada.


    Beijo.

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