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Resolvi arrumar as estantes. Pôr ordem no caos destas prateleiras. Mas ... é tão difícil ! Tento ganhar espaço para os novos livros, para as recentes aquisições, que se vão amontoando nos sítios mais impróprios.
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No quarto, à cabeceira, em pirâmide, misturados com os colares e pulseiras, estão "aqueles" livros, lidos e relidos, que me contam histórias ao deitar, no WC as revistas de consumir e deitar fora, na sala de jantar os que vou consultando, à pressa, entre refeições, à laia de aperitivo para uma jornada de trabalho. Catálogos práticos e utilitários, sempre à mão, em cima do guarda-louça, com vontade de saltar para a mesa, em sã convivência com os pratos, as colheres, as facas e os garfos ...
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Outros, mais acomodados, mais bibliotequizados, ganharam, há muito, estatuto de prateleira. Perfilam-se em pose de livro "sério", no comboio das estantes, corredores fora, até à sala de estar, paredes meias com cêdês, dêvêdês e outros ês ...
Fazem parte da paisagem doméstica ... da quietude dos dias lidos e vividos.
O que os distingue da pose tecnocrática dos livros perfilados em bibliotecas públicas é que estes (os domésticos), nunca estão sózinhos nas estantes.
Fotografias, programas de espectáculos, canetas, tinteiros, papel de carta, pequenas esculturas, caixas e caixinhas, defumadores, conchas, salvas de prata que lembram historias antigas de casamentos e baptizados, brinquedos de outros tempos, chaves de gavetas esquecidas, velas, incensos e ... um sem número de memórias, evocam diálogos animados com os livros amados, sempre acompanhados ...
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Remexer nas estantes é sempre prazeroso e demorado. Vou continuar devagar, por etapas ... prefiro perder tempo a perder a oportunidade de reler (ou revisitar ) livros que são objectos de culto. Que valem pelas palavras e pelas memórias que evocam.
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Está neste caso um livro, meio adormecido (estantizado), que me saltou para o colo e me reclamou, tantos anos depois, algumas linhas neste caderno. Um lugar nobre na blogribalta.
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Trata-se do romance " Imitação do prazer "de casimiro_brito , prefaciado por Maria Lúcia Lepecki, da Moraes, editada em 1979 (2ª edição), comprado na CDL por 350$00 (preço a lápis)
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" Deitado sobre o meu passado obcecava-me um só projecto: deixar-me possuir pelo acto ambicioso de reinventar o mundo em volta; abandonar-me ao teu fogo, procurar em ti o centro do meu universo. Abria-se diante de mim uma árvore inteirament nova, um jogo obcessivo de que eu não conhecia a mais elementar das regras.
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Precisava, sim, de um pouco de coragem (falo aqui da violência com que desvastamos, e que nos desvasta um corpo muito amado; da violência, ou não, bastante para incendiando-o, a esse corpo como desamado, o não destruir), ou da coragem de quem capitula, sem condições, perante o mais obscuro dos inimigos, olhos nos olhos, as mãos, os ossos, a atenção infinitamente desperta, enquanto aguarda o momento de o dominar, a esse corpo, ou ao tempo, de o transformar na única linguagem possível, rigor, dominação, disponibilidade: única linguagem possível entre amantes.
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E sobre todas estas sensações, a mais obscura delas: o desejo de não te perder." (pag 67)
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Neste reencontro com Casimiro de Brito, deambulei virtualmente em busca de outras letras e de territórios literários próximos que me conduziram, como seria de esperar, a António Ramos Rosa e ao
"ouço um rumor distante nas ilhas do sangue/um rumor de ventos devastando insectos/restos de madeira/breves pegadas na areia/um rumor de sangue na voz sem garganta/..."
ResponderEliminar___________________de Casimiro de Brito___________________que quase todos os dias passa por mim...
de longos cabelos brancos e olhar de lâmina...afiada pela ternura.
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bom dia I.
beijos da I.
livros e arte(factos)
ResponderEliminarde Casimiro de Brito, que conheço mal, mostrou-me uma amiga uns versos de que gosto muito:
"Uma linha sou e desenho
Com o meu corpo.
O caminho onde pousa o pé
Desaparece comigo."
bom fim-de-semana
:)
agora já percebo pq não apareceste...
ResponderEliminar:))))))
muito livro, muita estante...
beijos I.
B.
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Sei o que é isso... mas este vicio dos livros, é tão grande, Isabel...
ResponderEliminaràs vezes os outros residentes cá de casa chateiam-se e eu digo que vou parar... mas não consigo, e eles, não param de se amontoar...
O tempo é que não cresce, e eles esperam e desesperam, por uma leitura...
O gozo enorme que tive ao ler-te. Ao imaginar o prazer de encontrar velhos amigos postos às vezes em sossego, outros menos amigos e esquecidos para serem redescobertos. É muito bom! É um prazer enorme. E as fotos, com aquele tom acolhedor e reconfortante! Se notares um ténue tom de inveja... é verdade! É que eu nem um milímetro livre tenho.
ResponderEliminarIsabel gostei imenso do teu post! As fotos que me transmitiram o calor interior que a visão dos livros me proporciona (lol, mas é verdade), as tuas prateleiras com ar tão bem arrumado (que "inveja"!), a tua sensação de redescobrir livros "arrumados" de vez... tudo me cativou! :) E a coragem da tarefa que iniciaste! Porque eu bem que precisava de fazer o mesmo...
ResponderEliminarAchei o máximo o comentário da M.! lol
Ela mais do que todas(os) nós, parece-me, deve saber o que é este convívio invasor e permanente com os livros! :)
Beijinhos e bom dia da mãe!
Correcção: "Isabel, gostei imenso do teu post!" Faltava a vírgula! :)
ResponderEliminarE mais: conheço mal o Casimiro de Brito. Vou tentar conhecer melhor. Obrigada.
Tenho adiado os livros. Ficam sempre para o fim.
ResponderEliminarPorque a volta agora tem que ser muito grande...
Curioso verificar que na tua estante há livros iguais aos que estão mesmo aqui ao lado....
... e um boneco de cerâmica também, de Braga, talvez...
Bom domingo
Já ontem te li. Perco-me muitas vezes nas palavras e depois esqueço-me de comentar. Por vezes pairo mais do que ando e as minhas vozes interiores também falam muito mais do que a minha boca. A mão essa sossega , sem saber o que fazer. E , sendo o tema livros fico irremediavelmente perdida. Se bem que a net me tenha retirado tempo à leitura, os livros andam sempre comigo, ao meu lado. Posso ter o computador ligado mas ele está aqui. Presente. Sou leitora compulsiva, nunca me canso. Também ocupam muito espaço na casa, demais dizem-me :). Nunca são demais. Acho-os sempre poucos. Por curiosidade olhei para o móvel de apoio que tenho aqui ao lado. Estão 8. No chão aos meus pés, estive a contá-los, estão 11, ao meu lado 2. :) É assim uma relação de dependência boa.
ResponderEliminarTambém tenho que os organizar, comecei por pô-los por ordem alfabetica, depois por temas ma stenho que voltar ao inicial, assim perco-me. Perco-os.
Li em tempo e guardei esta frase que é muto do que sinto com eles
"sento-me no crepúsculo do fim da tarde,
cansado da suposta vida de plenitude
e é neste instante que o livro aparece
rodeado pela necessidade intensa do
enternecimento. percorro as lombadas dos
tomos que fui comprando e recordo aventuras
passadas na impossibilidade das letras. nestes
apaixonados momentos de solidão sinto
o vício do toque do papel, a procura insana e
inócua que existe no desfolhar das folhas
cobertas de sonhos e procuro as minhas vivências
na impossibilidade da leitura onde vou refazendo
sonhos nos sonhos forjados dos escritores encapados".
Luis Miguel Rocha
Eles para mim também são isto tudo.
Beijinhos
Adorei o teu texto sobre livros...
ResponderEliminarEstá perfeito o retrato de uma alma bibliómana que deseja possuir a alma de todo aquele que escreve, de todo aquele que se dispõe a ler...
O Último que li foi "Filho e Amantes " de D.H. Lawrence. Acabei ontem, precisamente no dia da mãe. Fartei-me de chorar. Encontrei lá projectadas várias pessoas que fazem ou fizeram parte da minha vida: em Paul, em William, sobretudo, um pouco em Walter Morel, um pouco em Miriam e Clara.
E na mãe de um amigo meu...
CSD
"A Biblioteca" é o nosso espaço de refúgio, por lá navegam memórias no interior de cada livro, todos eles possuiem uma história e uma data, todos eles nos invadiram os dias e as horas, oferecendo-nos a viagem pelo universo da literatura, da poesia, e do ensaio (quantas matérias no seu interior), depois temos sempre esse desejo de regressar aos livros que mais amamos, pode ser um Durrell, um Proust, um Júdice, um Rui Diniz ou um Bergman... depois também gostamos de olhar as outras bibliotecas e descobrir nelas livros comuns, como o Roland Barthes, hoje tão esquecido e nos anos setenta uma referência obrigatória... quantos textos/citações se escreveram na nossa imprensa a partir dele...
ResponderEliminarE ao olharmos aqui as fotos da sua biblioteca sentimos a passagem das horas, no relógio da memória.***
PS-(gostámos imenso do texto e das fotos)
paula e rui lima