Nocturno em Macau
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«Porque construída sobre um poço de águas ácidas, a casa-das-professoras de Santa Fé, os gatos a rondarem-na nas noites de cio. As mesmas noites em que Ester, a única ali não chinesa, encontra o seu conforto na contemplação da carta de Lu Si-Yuan, carta que aliás nunca chegará a ler: «(...) ia desenrolando a folha de papel de arroz, ia-a estendendo na mesa dos livros, aspirava-lhe o perfume. A ressaltar do fundo branco, os ideogramas a tinta-nanquim como um baixo-relevo - linhas regulares, a prumo, linhas deitadas e paralelas em pauta de música, e arcos, e ângulos, e asas. Uma arquitectura. Um templo de nove pisos e nove vezes nove empenas a perscrutar os ares. Um bosque de bambus depois das chuvas»». Este belo romance que mereceu o Prémio Eça de Queirós situa-se na Cidade do Santo Nome de Deus de Macau nos anos sessenta, na casa-das-professoras de um colégio de meninas."
Olá, Isabel! Mais uma excelente referência, a que indicas neste post.
ResponderEliminar:)
Por favor, quando puderes, vai ao meu blog. Está lá uma lembrancinha para ti. :)
Beijinho da Ana Paula
Tem um prémio para si no meu blogue. Excelente fim-de-semana.
ResponderEliminar"Maria Ondina Braga
ResponderEliminarHei-de morrer de mãos vazias, meus olhos abismados como flores__________________
8.3.07
Mulheres escritoras
Hoje é o dia da mulher. Num livro que dedicou à biografia de algumas mulheres escritoras, Maria Ondina Braga diz que escreveu o livro dedicando-o a essas suas companheiras de tantas horas de solidão, uma delas a Irene Lisboa, de quem lembra o «tudo é dos outros e me foi sempre negado», como o mote que lhe resumiria a história de uma vida. Assinando com o nome masculino de João Falco, por mais facilmente vingarem em 1939 homens na escrita, a autora de «Contarelos» escreveu um livro que até por se chamar «Começa uma vida», e por ser o mundo de orfandade, de colégio interno, de clausura, de recolhimento e em suma de uma comovente fome de ser amada é o seu mundo interior transposto em literatura. «Das vidas caseiras ninguém faz romances», confessou-se num momento de verdade, como se a dizer-nos porque se decidiu a fazê-los. No final da sua vida, morava num quarto andar, na Rua de São Bernardo, junto ao jardim da Estrela, envenenando-se no seu fatal isolamento. Espera por nós no cemitério dos Prazeres desde 1985.
posted by José António Barreiros at 11:05 PM 1 comments
18.2.07
A escrita rendilhada
Outro dia, ao ter de falar dela, creio que lhe referi a escrita «rendilhada». Hoje já ninguém sabe o que isso é, fio a fio, a agulha de ponta romba, os olhos a mirrarem-se, de laçada em laçada. Quando eu era miúdo, havia pela casa toalhas de fartas mesa, naperons para frágeis bibelots, colchas para púdicas camas, guardanapos mesmo para bocas limpas, que eram vidas perdidas a dedilhar, os dedos moídos, as costas cansadas, o candeeiro em quebra-luz ao entardecer. O supremo refinamento era descobrir nesses labirintos de Ariana, o direito do avesso. Hoje, o mofo, a traça, o esquecimento, tornou tudo isso um tempo de inutilidade desfiada.
posted by José António Barreiros at 11:26 AM 4 comments
16.1.07
O exame celestial
Guardiões da panaceia espiritual, desconfiados ante as maleitas que não enxergam, mestres da medicina metafísia, os chineses. Há que curar primeiro o espírito, logo se cura o corpo, uma só doença, uma única cura. Talvez por isso o nome em mandarim para electroencefalograma se aproxime da ideia de exame celestial. Tudo faz sentido, tudo se une onde tudo se separa: os nervos, todos eles, dão um nó no coração. Eis, pois, Maria Ondina Braga, professora na secção de português no Instituto de Línguas Estrangeiras. Ali chegou no Ano do Cão, em 1982. Disse-o no no seu livro «Angústia em Pequim».
posted by José António Barreiros at 11:09 PM 1 comments
25.12.06
O Natal Chinês
Há no conto «O Natal Chinês» de Maria Ondina Braga aquele instante em que a filha da senhora Tung asseverava que «o menino Jesus entristecia, em cima da cómoda, por causa da deusa na gaveta». O Menino Jesus vestia ricamente cabaia de seda encarnada, sapatinhos de veludo preto; a deusa, da fecundidade estava nua. Ambos de feições chinesas. Ele filho milagroso de uma maternidade virgem, ela atraía a doce vontade carnal do homem à sua companheira, como o Céu alagando a Terra na estação própria. Talvez daí a tristeza do Menino de Jesus, a ânsia de ter mãe, o desejo de ter sido gerado da substância física de um acto de amor.
posted by José António Barreiros at 10:57 AM 2 comments
2.12.06
Os reguladores do interesse
Irene Lisboa viveu a sua solidão num quarto na Rua de São Bernardo, em Lisboa. Num livro dedicado a algumas «Mulheres Escritoras», Maria Ondina Braga, da mesma família dos desesperados, párias dos afectos, cita-a, lembrando-a nos dois ou três homens que a beijaram, a desejaram passageiramente, «vários, inconstantes, elegantes, estetas, e simultâneamente práticos, reguladores do interesse».
posted by José António Barreiros at 1:00 PM 2 comments
18.11.06
Passagem do Cabo
Maria Ondina Braga esteve professora em Malanje na mesma altura em que, miúdo, por ali andava, filho de solicitador. Quando a guerra começou, e com ela o cortejo de atrocidades e de rancores incendiados, estávam ambos presentes, ignorando-nos, e sem que a vida nos desse sequer a oportunidade do aproximar. Hoje, um sábado frio, ela morta, eu ainda por aqui, leio-a, folheando-o, como se na ânsia de a encontrar, um dos seus livros. ei-la, enfim, num passeio ao Lombe, com as professores do Colégio das Madres, onde ensinou português. Entusiasmada, ela que nascia viva em cada ser, a falar da terra meditativa e úbere, extática e exuberante, das galinhas de Angola, do céu cravejado de estrelas, a estrada povoada de buracos enlameados. Como tudo isso me faz sentir só! Apátrida, filho de uma terra de que não me reconheço, acampado na vida, com os que me restam do álbum desbotado de uma família que desabou, leio-a para me reconhecer: «meu destino é passar».
posted by José António Barreiros at 9:23 AM 1 comments
5.11.06
Uma vida só
Creio que não cometo uma inconfidência ao revelar que a Isabel Mendes Ferreira, a que conhecemos, entrevistou a Maria Ondina Braga. E teve a sensibilidade de descortinar na sua escrita «um discurso claro, doce, misterioso, algo panteísta, onde o lugar das pessoas vem primeiro que a ordem ds coisas». Quantas vezes me revejo, ao lê-la, nessa sua escrita singular, naquele modo de se viver só, ainda que não sozinho.
posted by José António Barreiros at 1:01 PM 7 comments
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_________________com amor. o mesmo que "ata" gentes diferentes...:))))
beijos.
Conheço a escritora, conheço a escrita rendilhada de que ela fala, não conhecia era os artigos que aqui foram deixados pela IMF. Estive a ler mas vou voltar. beijinhos
ResponderEliminartenho mesmo que ler!
ResponderEliminar(shame one me, que nunca li nada da autora...)
(ainda por cima Macau..........
a viagem que mais me marcou...)
bj