e ela, aos trinta e sete anos, preferia-as
às flores que se vendem por aí
admitia a beleza mas não o esplendor
porque são tristes as repetições
num instante se tornam saberes
e ela, aos trinta e sete anos,
prezava apenas os segredos que mesmo ditos
permanecem como segredos
(em certas épocas, por alguma porta esquecida
escapava-se, sonâmbula, para o pátio
que dá acesso à mata
e, por vezes, iam buscá-la
gritando o seu nome ou com a ajuda dos cães
já muito longe de casa
tinha por hábito acender fogueiras
de que, depois, se esquecia
e por isso também os aldeões
a temiam)
nunca compreendeu a natureza da vida doméstica
intensa e aflita criança
incapaz de certezas
o que de mais belo soube
sempre o disse, de repente,
a alguém que não conhecia.
José Tolentino Mendonça, Baldios, Assírio e Alvim, p.21-22
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acho muito bem....porque não se a ti tudo te é devido...
ResponderEliminarbeijo.
y.
"o que eu vivi, tão imperfeitamente, virá mais perfeitamente ao coração legente",afirma Maria Gabriela Llansol.E "se o mito falar verdade, o humano é o eterno reverso do sortilégio assexuado da mulher". Esta será, porventura, a beleza própria do texto, específica e inabitual, não porque encobre o que é da ordem do horror, ou mancha, mas porque a atravessa para atingir “um fulgor inapreensível pelo estético”, numa esfera onde “o puro só pode manifestar-se no impuro e que reside no limite mesmo do que se entrevê: a beleza silenciosa das imagens.Há no fulgor da língua que cala uma luminosidade que inunda a escrita, só perceptível porque “a escrevemos por imagens, enquanto a seguimos como / se nos sonhasse”. Não há coincidências. Este poema do Tolentino ecoa em mim a relação do meu querido Hölder (de Hölderlin) com a sua Myriam-Susette-Diotima - restos, ou resíduos de leitura: nostalgia inexpugnável do que é porvir.
ResponderEliminarAs citações são de textos de MGL.
Belíssimo!
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