Agostinho da Silva responde a André Abrantes Amaral, em entrevista gravada, em 1990, numa manhã de Abril, no miradouro de São Pedro de Alcântara. no âmbito de um despretensioso exercício académico do 10º ano, realizado por três curiosos estudantes, para a disciplina de jornalismo.
sigam-me ... )
AA – O senhor professor é católico?
AS – Olhe não sei, se sou, se não. Sabe? __________Não me sinto autorizado... Se eu fosse o Papa... Mas como não sou, não sinto autoridade de decidir uma coisa dessas. Bom, uma das coisas que definem ser católico é ser baptizado, eu não consenti o baptismo, mas os meus pais acharam que me deviam baptizar e baptizaram, não é assim? Bem, depois pergunto: O que é ser católico? Perguntam-me: “ É católico?” Por exemplo baptizado, “ sim senhor, sou baptizado.”
Agora se me perguntam, se acredito num Deus criador do mundo, digo “ Querido amigo que grande atrapalhação.” Se vou para a física, o físico não diz o mundo, o físico diz o universo não foi criado. Mas há que estabelecer uma diferença entre universo e mundo? Claro que há!
O universo é um termo que resume tudo: Imaginado e não imaginado. E o mundo? O mundo, e agora vou dar a grande novidade, o mundo é um adjectivo. Toda a gente acha que o mundo é um superlativo, mas não, é um adjectivo. É um adjectivo, porque se pensarem, o contrário de mundo é imundo. E imundo toda a gente acha que é um adjectivo. Então se imundo significa sujo, complicado, alguma coisa de que me afasto, mundo o que é? Significa límpido e puro. É verdade! O Camões tem uma frase em que fala das limpas almas. São almas puras, almas límpidas. Então o mundo o que é? É aquela parte do universo, que nós percebemos. O universo pode ser infinito, sabe-se lá o que há. Mas o mundo, é aquilo que eu percebo. Agora se eu digo: “Deus criou o mundo.”
Vocês perguntam: “ Mas você acredita que Deus criou o mundo?” Se, o mundo, as possibilidades de ele se conhecer no universo, me é dada por alguma coisa fundamental, no dito universo, eu aceito que sim. “É a criatividade?” “Hã?”. A única coisa que não foi criada no mundo é a criatividade. Essa não podia ter sido criada porque ela é ela própria. Mas se o senhor me diz: “Então, você acredita que há criatividade no mundo?” Como não hei-de acreditar? Está no próprio universo, na cor das asas das borboletas, na matemática que se vai inventando, naquilo que se sente na vida, em qualquer dessas coisas, Então você diz: “ Deus é a criatividade” Vamos a isso. Mas o Papa concordava com você? Ele não. Mas o que há é uma ultima instância da Igreja católica, que é o Papa ou o Concílio, o que vocês a quiserem nesse sentido. Cada coisa, quando se resolve fazer isto ou aquilo, tem que se chegar a todas as espécies de definições.
Bem então o próprio Cristo: Cristo é considerado na igreja, O filho de Deus. O que significa isto, ser filho de Deus? Claro que se há um Deus criador do mundo, no primeiro momento antes de ele criar o mundo esse Filho aconselha Deus a esconder que ele existia, portanto havia uma segunda personagem, que se pode dizer filho da primeira personagem e acusando o ouvir o divino em si mesmo o que dá perfeitamente a questão do Espírito Santo. Bem portanto, o difícil, não é ser católico, o difícil é não ser outras coisas também. Se eu disser assim: Você é dos Judeus?” “Sim.” Então acredita no Deus criador mas não em Cristo. Porque ai houve logo uma reivindicação. “Então e os deuses que tinham os gregos, que tal? “Muito bem, acredito; Sim. Naquele ideal de ter liberdade, nessa coisa toda.” Mas há uma coisa que eles nunca conseguiram: Foi verem-se livres das prisões de espaço e de tempo, que prendem o homem, que não deixam ser tão alto como eram os deuses, que eles imaginavam. Mas há alguma hipótese de ser, de chegar a isto? Talvez haja! E então sito Camões. Então sito Camões, onde? Na ilha dos amores e você diz: “Então quem é este, que sita a ilha dos amores?” Claro. O Camões disse: “ Enquanto se trata de cumprir uma empresa, todos nós temos de ser disciplinadíssimos” Senão como é que o Vasco da Gama chegava a Índia? Mas depois de cumprir a empresa, a nossa obrigação é sermos nós próprios.” Todos aqueles marinheiros que desembarcaram na ilha dos amores, eles já não são mais marinheiros, nem coisa nenhuma, eles são eles próprios! O que é que fazem na ilha? Isso é extremamente interessante. Eles primeiro livram-se do corpo, esquecem-se que têm corpo. Se alguém vos perguntar: “ Qual é a primeira coisa para uma pessoa se esquecer que tem corpo?” Bem, uma economia que satisfaça todas as necessidades, e depois uma ciência que ajude a superar a doença quando ela aparecer. Bem e o que é que acontece? Eles por exemplo livraram a cabeça de toda a espécie de pesadelos que o corpo cria e ficaram com a cabeça limpa, para escutar quem? A deusa. Quem é a deusa? É o nome que Camões dá a criatividade. A deusa fala aos portugueses e o que é que acontece? Acontece que ele conhecem o futuro e vêm-se livres do tempo, sabem o que acontece do outro lado do mundo, porque a deusa lhes mostra a máquina do mundo, lá ao longe e diz: “Estão fora do espaço.” Portanto livres de impostos, livres do tempo e do espaço, prontos a ouvir a deusa e a nascerem com a criatividade. E onde é que nós achamos a criatividade no mundo? Na arte, na ciência e na mística. Portanto, quando o homem pretende lançar-se à arte, à ciência e à mística ou à metafísica ou à filosofia, como vocês quiserem, o homem casou-se com a deusa. Então Camões foi o único a falar nisso? Não! O outro que falou nisso foi Vieira! E o jesuíta a par do aventureiro? E o jesuíta a par do aventureiro! Claro que as receitas que dá o Vieira, para a pessoa se livrar do corpo, não são as mesmas que deu o Camões. São a meditação de qualquer religião que a pessoa tenha, e mais, isto aquilo de preceitos e aquela coisa roda. Para ouvir a voz de quem? O Vieira não diz a deusa, diz Deus. Que também é criatividade. Portanto no século XIII, com Camões e com Vieira, uff, isto...
E depois ainda com Pessoa, os portugueses recebem todo este conceito do estimulo da história, e estudando o programa dos descobrimentos é que havemos de fazer os descobrimentos do futuro: Como é que nós vamos caminhar, para estarmos com a nossa vida bastante livre e promovida por nós próprios, para podermos fazer a arte, fazer a ciência, fazer a mística, casando-nos com a criatividade. Vocês então perguntam: “ Excepcional, como é?” Pois até agora, só estivemos raciocinando, não estivemos fazendo poesia nem sonho. Simplesmente, estamos presos às coisas, que tem de se dar tempo a que o pão rebente, e primeiro devemos ter uma prática exactamente como temos o sonho, e toda a nossa vida deve ser o levar a prática a coincidir com o sonho, ou seja, fixar o horizonte tanto que se amplie esse mesmo horizonte.
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Que pensamento límpido tinha Agostinho da Silva...extraordinário!
ResponderEliminarBeijos
dos mares a da alma....navegada com extrema sabedoria....
ResponderEliminarele....o Agostinho mais agostiniano do gosto de viver....
na maré altíssima de uma clarividência única....e transgressora....para bem de nós...os legentes...
beijo-te....."navegante deste caderno"....de estrelas.
e olá Feyo Valle....:)
ResponderEliminaros deuses são sempre metade "deusas".
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