terça-feira, 26 de janeiro de 2010

adormecer (...) para sempre no seio tranquilo do Nada


A questão da identidade das ciberentidades e da ilusão de um conhecimento desencarnado pode ser iluminada através da experiência da fragmentação do sujeito e da dispersão heteronímica explorada por vários autores modernistas, entre os quais Fernando Pessoa (1888-1935). Em Pessoa existe constantemente uma tensão entre a desmaterialização do sujeito em mecanismos de consciência e a natureza profundamente sensorial da apreensão do mundo que resulta desses mecanismos. Quase como se a ausência se tornasse presença devido à intensidade emocional com que Pessoa a representa. Trata-se de presentificar o si perante si mesmo. A força do seu mundo mental parece sobrepor-se ao mundo externo da existência. Neste excerto, de um diário em inglês escrito em 1908 (Pessoa tinha então 20 anos), encontram-se muitas das obsessões, projectos e imagens de toda a sua escrita posterior:




Enfureço-me. Queria compreender tudo, saber tudo, realizar tudo, dizer tudo, sofrer tudo, sim, sofrer tudo. Mas nada disso faço, nada, nada. Fico acabrunhado pela ideia daquilo que queria ter, poder, sentir. A minha vida é um sonho imenso. Penso, às vezes, que gostaria de cometer todos os crimes, todos os vícios, todas as acções belas, nobres, grandiosas, beber o belo, o verdadeiro, o bem de um só trago e adormecer em seguida para sempre no seio tranquilo do Nada.


Deixem-me chorar. [...]


Estou aqui sentado, a escrever à minha mesa, com a caneta na mão, etc., e de súbito acomete-me o mistério do universo e paro. Estremeço, receio. Desejo nesse momento deixar de sentir, matar-me, bater com a cabeça contra a parede.


Feliz do homem que pode pensar profundamente, mas sentir tão profundamente é uma maldição. Como descrevê-la? Horror sobre horror.

Fernando Pessoa, excerto do diário de Alexander Search, 30 Outubro de 1908, in Escritos Autobiográficos, Automáticos e de Reflexão Pessoal, org. Richard Zenith, trad. Manuela Rocha, Lisboa: Assírio e Alvim, 2003, p. 91.

 
 
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Manuel Portela [15-16 Nov. 2003]
Fonte: http://www.ci.uc.pt/diglit/DigLitWebDdeDevaneios.html








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5 comentários:

  1. um dia este Caderno vira



    Enciclopédia!




    a vitória do Tudo sobre o Nada.


    beijo.te com *******s.

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  2. Há Nadas q podem ser (que são) Tudo, só que não os alcançamos ...

    são nanomundos grandiosos. Tocam o inverossímil __________ da razão, mas existem para além dela.

    e ...

    ... I (Y poeta)lendo-te, acho q tens razão ____ antes que se cumpra a premonição aqui enunciada vou mudar o curso ao "Caderno" . As enciclopédias são frias.
    São ùteis mas não necessárias.
    Vou subjectivar mais o caderno (ou fechá-lo por um tempo ... deixá-lo apanhar ar ). Deixá-lo ser "INÚTIL"

    antes que vire enciclopédia ... uma desnecessária utilidade



    Bj-te com *** ** etrelas,Y



    iv

    (

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  3. *** ** estrelas (queria eu dizer)

    :))


    iv

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  4. ah...mas eu amo enciclopédias....desde miuda...:))))

    e penso que são "quentes" e nunca frias...pão da sabedoria que se lê com olhos sedentos....

    e não fechas nada. seria INÚTIL....:)

    beijo-te....*****s.

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